Um almoço em Bima

1 07 2018

Havíamos saído de Lakey beach em direção à Bima, a cidade mais próxima de onde estávamos que possuía um aeroporto. Quando chegamos, faltava duas horas para o voo de meus amigos para Bali. Meu voo ainda levaria 5 horas para decolar em direção à Lombok. Depois de fazerem o check-in, me despedi deles e fui tentar chegar à cidade, já que o aeroporto ficava a cerca de 20 minutos de Bima.
Cruzei a estrada, havia uma mesquita na frente do aeroporto. Estava acontecendo alguma cerimônia naquele momento. Muitos carros e motos estacionados. Perguntei sobre Bima. Alguns não responderam, outros apenas disseram “taksi”.
Então encontrei com um homem que estava em sua motocicleta e parecia ter aceitado me levar até a cidade. “Bima?” perguntei novamente. Ele indicou com a cabeça que eu subisse na moto e me disse que custaria 50 mil rupias. Aceitei sem saber se ele era uma espécie de taxista ou apenas queria fazer uma grana extra. Solicitei que me levasse a um banco ou algum lugar para trocar dinheiro.
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No caminho para a cidade, a estrada contornava uma baía. Do outro lado, podia ver uma geografia acidentada e árida. Aquilo me lembrou o west side da ilha de Oahu. Ele acelerava tanto a sua moto que preferi desviar os olhos para o mar, os montes desertos,os barcos ou qualquer outra coisa que não me lembrasse do asfalto duro e quente abaixo de nós. Melhor não pensar no que não podemos mudar e confiar que as coisas vão certo.
Conforme nos aproximamos do nosso destino, pude ver uma paisagem quase cinematográfica, de quando alguém se aproxima de uma cidade abandonada ou que acabara de passar por uma grande destruição.
Normalmente, a periferia é mais suja, depredada, mas conforme nos aproximamos das áreas centrais, os prédios se tornam mais bem cuidados, as ruas mais limpas, surgem restaurantes, talvez um shopping ou um hotel. Nada disso aconteceu.
Cada rua era tomada de lixo, habitações aparentemente abandonadas, automóveis quebrados e mais lixo. Poucas cores, poucos restaurantes, pouco asseio.
Em cada rua que passávamos, muita gente olhava para a moto. Alguns acenavam, eu sorria de volta!
Passamos pelo que imagino ser os três maiores bancos da cidade, nenhum deles aceitou trocar o dinheiro. A impressão era de que aqueles eram os estabelecimentos mais bem sucedidos do município. Era até estranho enxergar algo limpo e bem cuidado no meio daquela cidade. Era como se os prédios tivessem sido transplantados de uma cidade normal para uma zona de guerra. Quase uma miragem.
Após algumas tentativas de indicações de moradores e de passarmos em um hotel e outros pontos comerciais, eu havia desistido. Meu guia, no entanto, estava preocupado. Provavelmente ele achava que eu não teria dinheiro para pagá-lo.
Ele não entendia nada de inglês. Meu pobre indonésio também não ajudava muito na comunicação. Por sorte, sua pronuncia era muito clara e eu me esforçava para escrever rapidamente no Google tradutor suas frases. O que não era fácil de fazer em cima da moto, enquanto ele dirigia por ruas tortuosas.
Desisti do câmbio e lhe disse que queria comer. Ele parou em frente a um restaurante que mais parecia uma casa fechada, daquelas que vemos com uma placa de “aluga-se” na frente. Eu não sabia muito o que fazer, então disse “gado gado”. Era o único prato da culinária indonesiana que eu tinha certeza ser vegetariano.

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Estranhamente, neste momento um homem saiu de dentro do restaurante e, pelo que entendi, explicou para o meu amigo como chegar a um lugar onde servia gado gado.
Ele então fez a volta, contornou a praça da cidade pela terceira vez e dirigiu até um ponto onde várias barraquinhas de comida alinhavam-se em uma rua estreita e imunda. Uma delas possuía as palavras “gado gado”. Caminhei até lá. O chão era de terra e havia uma mesa de madeira atrás de onde duas mulheres cozinhavam. Ao lado da mesa, duas crianças brincavam bem perto de um pequeno córrego de algo que parecia ser esgoto ou água suja de alguma cozinha.

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Sentamos na mesa e ele pediu dois pratos. Assim que a comida foi colocada na minha frente, como que num passe de mágica, quatro indivíduos surgiram. Me olhavam sorridentes e acenando a cabeça. Um deles me estendeu a mão falando em inglês. “Nice to meet you. What’s your name? Where you come from?” A cada resposta minha, ele olhava para seus amigos, como se estivesse querendo mostrar a eles que podia falar em inglês. Eles mantinham um sorriso no rosto e continuavam acenando positivamente a cabeça.

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Depois disso, seu inglês tornou-se um pouco incompreensível. Ele falava bastante, eu entendia pouco, mas concordava com tudo, repetindo os trechos que pareciam mais claros. Ele falava sobre o mundo globalizado, a importância do inglês e de como a internet aproximou as pessoas. Fazia o meu melhor para interagir, mas como ele era vesgo, me sentia constrangido de olhar-lhe diretamente nos olhos. Jamais soube qual dos dois olhos estava efetivamente me enxergando. Enquanto isso, meu guia sorria e almoçava calado. Parecia não entender nada.
Subitamente levantaram-se. Todos apertaram minha mão. Esgueiraram-se pelos espaços entre mesas, bancos e carrinhos de comida e sumiram.
Paguei o almoço e subi na moto. Disse ao meu guia que queria voltar ao aeroporto. Ele insistiu numa frase. O tradutor me mostrava que mais uma vez ele estava preocupado com a troca do dinheiro, insistindo que no aeroporto não havia casa de câmbio. “Tidak papa”, eu disse. Numa das pausas no banco eu conseguira sacar algumas rupias, suficiente para o almoço e o transporte.
Saímos da cidade por outro caminho, mas a impressão era a mesma, uma cidade destruída. Ou inacabada.
Numa rodovia pela qual passamos, paramos para tomar água de côco e comer milho. Eu ainda tinha fome. Ele comia calado, como no almoço.

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Quando chegamos no aeroporto, sentia que ele estava tenso. Só relaxou quando soube que eu tinha dinheiro para lhe pagar. Ele então abriu um sorriso e quase me abraçou. Por algum motivo, parecia que era eu que havia feito um favor para ele. Ao que parece, transitar com um gringo por sua cidade, havia lhe dado uma espécie de prestígio ou estima. Saudei-o e fui em direção à entrada do embarque. Ele ainda ficou um tempo parado em sua moto. Sorrindo sob sol de uma inusitada tarde em Bima.

Lucas De Nardi





Greenbush

1 07 2018

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Eu acordara pelas 5 da manhã e o barco já se deslocava havia uma hora. Sabia que não estávamos indo para macaronis, como alguns queriam. Dig havia dito para o capitão ir para Greenbush, sabia que ele queria surfar lá numa condição exigente. Aquele era o maior dia do swell, mas a uma aposta era arriscada. Quando, pelas 3 da manhã, eu havia acordado para checar o vento, este não parecia favorável para uma das ondas mais pesadas e desafiadoras de mentawai. Mesmo assim Dig estava confiante. Eu achava que estávamos perdendo tempo.

Quando entramoa na baía onde fica a onda, ele me chamou dizendo que o vento parecia ser terral. Podíamos ver dois barcos ancorados no canal. O dia estava cinza, haviam chuvas fortes e esparsas. A água, sempre transitando entre o azul turquesa e o verde claro, parecia ter amanhecido acinzentada. O vento, essencial naquela onda, não parava de girar.

O barco demorou a ancorar porque o swell estava bem grande. Dentro da embarcação a tensão aumentava. Alguns empolgados, outros apavorados por estarem diante de um dia verdadeiramente pesado se surf.

Na sessão da manhã eu me acostumava com aquela onda difícil de ser lida, que fechava no canal e que vinha acompanhada de troncos e côcos. Dig se atirava em qualquer bomba que aparecesse com uma disposição que eu jamais havia visto entre meus amigos. Aquilo me empolgava e preocupava ao mesmo tempo. Na última onda da minha session, sai do tubo e demorei para sair da onda, a força dela me sugou de volta para o reef e não sei dizer como não bati no coral. A maré chegava no seu ponto mais vazio. Achei que seria prudente não abusar da sorte e remei para o barco.

Metade do surfistas da nossa trip não se aventuraram a entrar na água. Entre os que surfaram, acabamos a manhã com muitos tubos, algumas vacas e uma enorme gana de voltar a encarar aquelas condições.

Durante o tempo fora da água, Camarão, que havia feito o registro naquela condição difícil de luz, vento e chuva, insistia que precisávamos sentar mais para dentro da bancada. Toda vez que remávamos para entrar na onda, perdíamos uma boa parte dela. Ele tinha razão.

Ao final do dia os elementos pareciam estar ainda mais alinhados. Havia mais onda, o vento estava quase parando e a onda, por incrível que pareça, estava mais tubular. Porém, mais pesada.

Desta vez, todos do barco resolveram remar para o line-up. Mesmo quem já havia decidido não surfar queria assistir ao espetáculo da natureza de perto. O surf tem a maravilhosa característica de, se aproveitado com sabedoria, gratifica a todos. Se eu pegar uma onda, estarei feliz por tê-la surfado. No entanto, se algum outro surfista pegar uma onda e eu tiver o privilégio de assisti-lá, ficarei tão feliz quanto ele. Esta sessão teve justamente este elemento tão único. Várias vezes contemplei com um sorriso no rosto, tubos gigantes surfados pelos meus amigos.

Num certo momento, remei o mais deep possível para dentro da bancada. A onda entrou em um ângulo perfeito e ao invés de acelerar pude atrasar para o tubo. Surfei a onda toda apreciando a beleza do pequeno salão em que me encontrava e a vibração dos meus amigos, pelos quais passava. Um momento inesquecível, certamente.

Ao final do dia, quem surfou e quem assistiu tinha a mesma adrenalina pulsando em si. Os sorrisos e abraços eram constantes.

Todos vencemos!

Lucas