Durante a minha segunda temporada no Hawaii, criei um aforismo para me ajudar nos momentos em que alguma série gigante me pegava desprevenido ou para amenizar minha frustração com a crowd intensa que é parte inseparável do surf nas ilhas.
A frase que passei a pronunciar mentalmente em várias situações era simples e, de certa forma, redundante: atrás de uma onda, sempre vem uma onda.
Pois é, parece lógica demais, até meio estúpida, mas há uma reflexão a se fazer sobre ela. Uma das coisas que eu passei a perceber quando o mar estava grande e uma onda enorme surgia no horizonte parecendo que ia quebrar na frente de todo mundo, dando-nos, no mínimo, uma bela chacoalhada e algum tempo debaixo d’água, era que todos os surfistas remavam desesperadamente para passar pela onda antes de serem pegos por ela. No entanto, assim que venciam essa etapa, evitando o caldo, a grande maioria relaxava. Acontece que uma onda grande nunca anda sozinha, e não foi só uma vez que presenciei a onda seguinte vindo ainda maior ou com uma formação diferente e pegando uma boa parte do crowd desprevenido.
Então eu pensava, “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” A frase em minha mente me lembrava que eu deveria manter minha atenção e meu esforço até que a série toda passasse, jamais relaxando antes do tempo.
Quando acontecia de eu realmente ser pego debaixo do pico, na zona de impacto em que a onda quebra. Já não adiantava remar para fora, eu já estava no lugar errado. Então grandes volumes de água explodiam no reef e me engoliam. Antes de ser atropelado pela espuma, lá vinha a lembrança de novo “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” Por mais difícil que fosse a situação, por mais tempo que eu ficasse embaixo d’água, eu não poderia gastar toda minha energia e fôlego na primeira onda. Tinha que relaxar e economizar o máximo de oxigênio e resistência porque definitivamente, eu teria que tomar algumas outras ondas na cabeça.
Também haviam momentos em que as coisas estavam dando super certos, eu estava sentado no line up, uma onda aparecia no horizonte e parecia se deslocar perfeitamente na minha direção. Eu remava, me posicionava da melhor forma possível, mas como o crowd lá é muito intenso e é preciso respeitar os locais, acontecia frequentemente de alguém estar mais bem posicionado do que eu, me dar a volta remando ou simplesmente ser local. Então, esse surfista pegava com a onda. Imediatamente um desânimo assaltava minha mente e a frase vinha me lembrar que “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” E eu aproveitava o esforço que já havia colocado em prática, o posicionamento no line up e pegava a onda seguinte. Era quase como se a onda anterior tivesse servido apenas para me colocar no lugar certo para a seguinte. No entanto, era preciso a atitude mental correta para que a tentativa frustrada me fizesse perder a energia aplicada na tentativa inicial.
Posteriormente, passei a levar este lema para meu cotidiano. Afinal, como sabiamente escreveu Vinícius de Moraes, “A vida vem em ondas, como o mar”. Portanto, nada mais lógico que aplicar uma lição aprendida no mar, nas coisas que acontecem em terra firme.
Hoje, quando uma situação arriscada surge em meu caminho, eu sei que ela não vem sozinha, mas que muitos outros riscos estão iminentes. A frase surge em meu pensamento e mantenho-me atento e cuidadoso até que as águas se acalmem. E por mais conturbado que seja a situação, por mais desdobramentos que ela produza, eu sei que em algum momento as águas vão se acalmar porque assim é o ciclo da natureza.
Quando algo exige meu esforço, o aforismo surge para me lembrar sobre o quanto devo me aplicar naquele momento. Assim, não aplico todo meu empenho no primeiro obstáculo porque sei que há mais por vir, tal como várias ondas quebrando sobre mim e me mantendo embaixo da água sucessivas vezes. É preciso que minha resposta aos estímulos seja inteligente e acurada para suportar toda exigência que o empreendimento impõe. Afinal, entre séries de ondas gigantes, surgem aquelas que são amigáveis e com as quais conseguimos lidar mais facilmente.
No entanto, considero que o ponto mais importante é estar aberto às oportunidades que a vida traz. Se você está ciente do que quer e atento aos caminhos que abrem-se diante de si, ondas perfeitas vão surgir à sua frente, esperando para serem surfadas. Porém, se alguém remar mais rápido e roubar a sua chance, mantenha o foco mental e a receptividade. Afinal, atrás de uma onda sempre vem uma onda.
Lucas De Nardi