Atrás de uma onda.

8 05 2017

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Durante a minha segunda temporada no Hawaii, criei um aforismo para me ajudar nos momentos em que alguma série gigante me pegava desprevenido ou para amenizar minha frustração com a crowd intensa que é parte inseparável do surf nas ilhas.
A frase que passei a pronunciar mentalmente em várias situações era simples e, de certa forma, redundante: atrás de uma onda, sempre vem uma onda.

Pois é, parece lógica demais, até meio estúpida, mas há uma reflexão a se fazer sobre ela. Uma das coisas que eu passei a perceber quando o mar estava grande e uma onda enorme surgia no horizonte parecendo que ia quebrar na frente de todo mundo, dando-nos, no mínimo, uma bela chacoalhada e algum tempo debaixo d’água, era que todos os surfistas remavam desesperadamente para passar pela onda antes de serem pegos por ela. No entanto, assim que venciam essa etapa, evitando o caldo, a grande maioria relaxava. Acontece que uma onda grande nunca anda sozinha, e não foi só uma vez que presenciei a onda seguinte vindo ainda maior ou com uma formação diferente e pegando uma boa parte do crowd desprevenido.
Então eu pensava, “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” A frase em minha mente me lembrava que eu deveria manter minha atenção e meu esforço até que a série toda passasse, jamais relaxando antes do tempo.

Quando acontecia de eu realmente ser pego debaixo do pico, na zona de impacto em que a onda quebra. Já não adiantava remar para fora, eu já estava no lugar errado. Então grandes volumes de água explodiam no reef e me engoliam. Antes de ser atropelado pela espuma, lá vinha a lembrança de novo “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” Por mais difícil que fosse a situação, por mais tempo que eu ficasse embaixo d’água, eu não poderia gastar toda minha energia e fôlego na primeira onda. Tinha que relaxar e economizar o máximo de oxigênio e resistência porque definitivamente, eu teria que tomar algumas outras ondas na cabeça.

Também haviam momentos em que as coisas estavam dando super certos, eu estava sentado no line up, uma onda aparecia no horizonte e parecia se deslocar perfeitamente na minha direção. Eu remava, me posicionava da melhor forma possível, mas como o crowd lá é muito intenso e é preciso respeitar os locais, acontecia frequentemente de alguém estar mais bem posicionado do que eu, me dar a volta remando ou simplesmente ser local. Então, esse surfista pegava com a onda. Imediatamente um desânimo assaltava minha mente e a frase vinha me lembrar que “atrás de uma onda, sempre vem uma onda.” E eu aproveitava o esforço que já havia colocado em prática, o posicionamento no line up e pegava a onda seguinte. Era quase como se a onda anterior tivesse servido apenas para me colocar no lugar certo para a seguinte. No entanto, era preciso a atitude mental correta para que a tentativa frustrada me fizesse perder a energia aplicada na tentativa inicial.

Posteriormente, passei a levar este lema para meu cotidiano. Afinal, como sabiamente escreveu Vinícius de Moraes, “A vida vem em ondas, como o mar”. Portanto, nada mais lógico que aplicar uma lição aprendida no mar, nas coisas que acontecem em terra firme.

Hoje, quando uma situação arriscada surge em meu caminho, eu sei que ela não vem sozinha, mas que muitos outros riscos estão iminentes. A frase surge em meu pensamento e mantenho-me atento e cuidadoso até que as águas se acalmem. E por mais conturbado que seja a situação, por mais desdobramentos que ela produza, eu sei que em algum momento as águas vão se acalmar porque assim é o ciclo da natureza.

Quando algo exige meu esforço, o aforismo surge para me lembrar sobre o quanto devo me aplicar naquele momento. Assim, não aplico todo meu empenho no primeiro obstáculo porque sei que há mais por vir, tal como várias ondas quebrando sobre mim e me mantendo embaixo da água sucessivas vezes. É preciso que minha resposta aos estímulos seja inteligente e acurada para suportar toda exigência que o empreendimento impõe. Afinal, entre séries de ondas gigantes, surgem aquelas que são amigáveis e com as quais conseguimos lidar mais facilmente.

No entanto, considero que o ponto mais importante é estar aberto às oportunidades que a vida traz. Se você está ciente do que quer e atento aos caminhos que abrem-se diante de si, ondas perfeitas vão surgir à sua frente, esperando para serem surfadas. Porém, se alguém remar mais rápido e roubar a sua chance, mantenha o foco mental e a receptividade. Afinal, atrás de uma onda sempre vem uma onda.

 

Lucas De Nardi





Em busca da balada perfeita

24 12 2011
Quem já esteve em um relacionamento longo e depois ficou solteiro já passou por isso. Assim que os amigos sabem do término do namoro eles, inevitavelmente, vão convidá-lo para uma balada. Então, acontece uma situação típica: a negação! O novo solteiro vem com aquela velha desculpa de que a noite não lhe agrada, de que nunca gostou de sair e que não se encontra ninguém interessante em uma festa, afinal todas as pessoas que saem para curtir uma balada são vazias. Aqui abro um pequeno parênteses, ainda abrirei outros ao longo do texto, existem pessoas vazias em todos os ambientes, mesmo em saraus, jornadas literárias, cursos de filosofia, oficinas de poesia, etc. Portanto, não se prenda tanto aos estereótipos.
Bom, o fato é que você será arrastado para a noite em algum momento. E parece bem óbvio que não aprecie aquilo imediatamente, afinal, é escuro, a música é alta, você conhece pouca gente, as pessoas passam sem pedir licença e além de tudo você tem que dançar… Em outras palavras, você foi dragado para uma zona absolutamente desconfortável se comparada com a vida de um casal. Portanto, será necessária uma adaptação à nova situação. Alguns bebem, outros desistem, outros engatam um novo namoro e há aqueles, assim como eu, que insistem naquela labuta, com o objetivo de tirar algum proveito desse novo universo que aos poucos se revela à nossa frente.
Pois bem, após passar os últimos 8 meses neste processo de adaptação muita coisa aconteceu, fiz um grande esforço para sair da minha zona de conforto (no meu caso, o sofá ou a cama), conheci muita gente (rasas, cheias demais, vazias, entupidas, em processo de construção…), descobri novos tipos de música (que animam meus dias e mudam meu astral), zerei várias noites (a maior pressão que existe em cima de um homem solteiro que está na noite é que ele não vá embora sem pegar ninguém. Não sei exatamente porque, mas é isso que acontece!), dei muita risada, fui em festas péssimas, curti momentos inesquecíveis, e passei a gostar de um ambiente que antes só conhecia pelas histórias dos outros.  Depois de tudo isso, além de amadurecer como pessoa e exercitar minha tolerância e bom-senso, acho que cheguei a uma fórmula para quem quiser desfrutar de uma boa festa.
Para todos aqueles que dizem não gostar da noite, eu lhes sugiro o seguinte. Primeiro descubra qual o tipo de música que você gosta de dançar, depois busque por um lugar que as toque. Então, reuna os seus amigos, as pessoas com quem você se diverte pelo simples fato de lhe fazerem companhia, e leve-os consigo para a balada. Misture as duas coisas com uma boa dose de entusiasmo e muito fôlego! Eu duvido que alguém consiga não se divertir dessa maneira.
Isso porque, na minha visão, o grande barato das festas, não está no álcool ou nas drogas, mas, sim, na música e nos amigos!
Espero que dê certo! Boas festas e um ótimo 2012 para todos.
Lucas De Nardi




“Nem de peixe?”

10 12 2011
Uma das coisas que sempre me intrigou foi o fato de que toda vez que esclareço para as pessoas que não me alimento de carnes, elas sempre me fazem a mesma pergunta:
– Nem de peixe?
O engraçado é que a própria pergunta já traz em si a resposta porque se não fosse pela linguagem coloquial, a frase completa seria “Mas nem carne de peixe?”. Ora se é carne de peixe, porque não seria carne? Será que este animal tem alguma distinção dos outros ao morrer para servir de alimento? Será que por ter sua origem no mar, sua morte não é tão expressiva?
Recentemente, lendo o livro A Consciência de Zeno, de Italo Svevo, que nada tem a ver com o assunto, encontrei uma passagem que talvez lance luz sobre esta ideia errônea que as pessoas normalmente tem sobre a tal carne de peixe.

Falta aos peixes qualquer meio de comunicação conosco; assim não conseguem despertar a nossa compaixão. Abocanham a isca mesmo quando estão sãos e salvos na água! Além disso, a morte não lhes altera o aspecto. Sua dor, se existe, permanece perfeitamente oculta sob as escamas.

Portanto, parece que seria necessário, aos peixes, capacidade de expressão. Falta-lhes acenar a cauda ou lamber as pessoas para mostrar-lhes que eles também vivem e para elas saibam que eles também morrem!
Lucas De Nardi




délibáb

21 05 2011

A arte de um escritor ou poeta e de um compositor musical difere, entre outras coisas, pelo fato de que a prosa e a poesia normalmente são lidas em momentos solitários e silenciosos, enquanto a composição musical só terá sentido se for cantada. Assim sendo, considero que o músico leva vantagem ao ter um contato direto com seus admiradores durante a transmissão de sua arte, enquanto os escritores nem sempre tem esta oportunidade.
Porém, no seu espetáculo délibáb, Vitor Ramil traz para o público um pouco destas duas artes ao musicar poemas de João da Cunha Vargas, além de cantar milongas de Jorge Luis Borges. É uma rara oportunidade de ver obras poéticas declamadas como canções. No show, Vitor Ramil funde música e poesia de uma forma tão natural e límpida e com uma intensidade tão autêntica que nada resta aos ouvintes senão permanecer com olhos e ouvidos vidrados em sua verdadeira alquimia sonora.
Lucas De Nardi
PS: vale ressaltar que seu colega de palco, o violonista Carlos Moscardini, é uma atração à parte.





A fragilidade de um ídolo

17 11 2010

Há duas semanas, de uma forma ainda inexplicável, um dos maiores ícones do surf  atual morreu. Andy Irons foi encontrado morto num quarto de hotel em Dallas, enquanto tentava voltar para o Hawaii, depois de ter desistido de participar da etapa de Porto Rico do circuito mundial de surf. Ele nem chegou a entrar na água, pois estava muito doente. Por este mesmo motivo, conforme notícias da imprensa especializada, ele foi impedido de entrar em um voo da American Airlines na segunda-feira, dia 1 de novembro. Ele estava sozinho, e foi para um hotel dentro do próprio aeroporto, onde veio a falecer.

Soube da notícia através de uma mensagem que um amigo postou no Facebook, antes de qualquer site relatar o fato. Confesso que duvidei dele, achando que se tratava de algum mal entendido. Porém, rapidamente a notícia começou a pipocar por todos os lados e aquilo era a confirmação da morte de um surfista extraordinário de apenas 32 anos, por motivos que até agora não parecem claros. Falou-se em dengue, mas também em overdose por uso de metadona. De qualquer forma, a versão verdadeira dificilmente saberemos, como sempre acontece.

A historia que Andy Irons escreveu dentro o universo do surf é incrível. Ele tinha uma atitude agressiva, falava o que lhe vinha à cabeça e demonstrava toda a sua emoção dentro da água, especialmente competindo. O havaiano sempre declarou que Kelly Slater foi seu ídolo desde a infância.
Kelly Slater foi o surfista que mais domínou o esporte nos últimos 20 anos. Recentemente, ele ganhou seu décimo título mundial, além disso, ele possui todos os recordes que você possa imaginar. Porém, ao longo desta carreira memorável, houve apenas um surfista que teve habilidade e garra para fazer frente com o seu surf, seu nome era Andy Irons. Certa vez, em uma entrevista, Kelly mencionou que apenas voltara às competições por inlfuência de Andy (Kelly parou de competir no Tour depois de vencer seu sexto título mundial, em 98). O haviano ganhou três títulos mundiais consecutivos, de 2002 a 2004. Sendo que em 2003, houve uma das mais acirradas corridas ao título mundial de surf. Tudo foi decido no Hawaii, em Pipeline, a onda mais desafiadora e tubular do tour, especialidade de ambos. Na final, quem estivesse à frente, seria coroado campeão. O mar não estava em clássicas condições, mas Andy surfou de forma brilhante, enquanto Kelly cometeu um grande erro ao tentar um aéreo que jamais se concretizou, em uma das melhores ondas que pegou na bateria. A buzina soou encerrando o campeonato e a corrida pelo título, e era Andy quem celebrava com seus amigos na beira da praia. Na verdade, Andy foi o único surfista que conseguia intimidar Kelly, e mais do que isso, conseguia virar bateria em cima dele.
Foi o que aconteceu em 2006, também durante o Pipeline Masters. O título já havia sido decidido na Espanha a favor do americano (no circuito mundial o Hawaii é considerado um país), na oitava etapa do circuito. Porém, a perna havaiana é sempre muito cobiçada pelo prestígio das suas ondas. E Pipeline é a rainha do North Shore, uma das melhores ondas do mundo.
Na final, que foi considerada por muitos como a melhor da história dos 36 anos do campeonato, ambos se encontraram para puxar os limites do que era possível se fazer numa das ondas mais perigosas do planeta. A bateria era composta por 4 surfistas, mas foram os dois que comandaram o show. Kelly Slater começou arrasador e com notas 9 e 8,53, deixando os outros competidores em combination. Ou seja, todos os que estavam na bateria precisavam de uma nova combinação de duas ondas para superá-lo. Andy, então, pegou uma onda para Pipeline, sentou em cima do foamball, passou duas sessões desaparecido dentro do tubo e saiu seco. A praia explodiu, mas ele ainda tinha mais para mostrar, mandou um floater em cima de uma quantidade de água praticamente nula e completou a manobra. Resultado, 9,87. Confesso que naquele momento eu não entendi como aquilo não tinha sido 10.  O que mais um ser humano poderia ter feito naquela onda? Só sendo um juiz para entender.
Depois disso, Kelly Slater ainda pegou mais uma onda que entrou em seu somatório, 8,96. Então, faltando cerca de dois minutos para acabar a bateria, Kelly e Andy entraram numa disputa por uma onda, a preferência para Backdoor era do havaiano. O americano desacelerou as braçadas para ver Irons despencar para dentro de uma onda que Shaun Thompson, ex-campeão mundial, que narrava o campeonato, considerou impossível de ser completada. Porém, ele voou por dentro de três sessões do tubo e saiu celebrando com os braços para cima. Nota 10! E a virada mais sensacional que já foi vista naquela praia. O título, mais uma vez em cima de Kelly Slater, o maior surfista de todos os tempos, ia para as mãos de Andy Irons.

A primeira pessoa que me veio à cabeça quando a notícia ganhou contornos de realidade, foi meu amigo João Macedo. Desde que o conheci, no início deste ano, descobri que ele era um grande fã do Andy, e por isso passávamos horas discutindo sobre quem era melhor, Andy Irons ou Kelly Slater, este último o meu grande ídolo do esporte.

Fiquei pensando em como seria perder um herói. Alguém que nos dá alegria pela simples fato de existir e fazer algo que amamos com maestria. Pensei em como seria se Kelly Slater ou Tom Curren morressem. E isso me deu uma sensação enorme de tristeza, e me fez perceber que, de alguma forma, eu também era fã de Andy. Talvez pelo simples fato de ele fazer oposição ao meu herói no surf. Aquilo me entristeceu muito, e eu realmente tive dificuldade de assimilar que ele havia morrido.

O surf, para mim, sempre foi um esporte muito ligado a um estilo de vida saudável, à desfrutar de momentos de prazer e bem-estar consigo mesmo e com seus amigos. Algo relacionado ao mar, ao sol, à risadas, boas lembranças e muita saúde. Para você ter ideia, o circuito mundial, num formato parecido com o que vemos hoje, existe desde 1976. E desde lá, nenhum ex-campeão mundial havia morrido. Por isso, a notícia parecia tão dura e distante da realidade do que vivo quando estou surfando

Depois do seu tri-campeonato, Andy ficou em segundo lugar nos dois anos seguintes, 2005 e 2006, perdendo sempre para o arqui-rival, Kelly Slater. A partir daí, seu desempenho nos campeonatos já não era o mesmo. Ele não mais demonstrava a mesma garra e determinação. Logo depois começaram boatos de que eles estaria envolvido com drogas e álcool. Quando estive no Hawaii, na temporada 2007/2008, falava-se sobre isso. Inclusive as pessoas esperavam para vê-lo no Pipe Master (de novo lá!), pois rolava um boato de que estaria totalmente despreparado para a competição. Realmente, ele só apareceu na praia para suas baterias, e estava muito magro.
No final de 2008, ele anunciou que não iria competir no circuito mundial do ano seguinte por problemas pessoais. Em 2009, diziam que ele teria engordado muito e não tinha mais vontade de surfar. Mas mesmo com tudo isso acontecendo, você nunca espera que o seu ídolo jogue a toalha. Você não consegue vê-lo como alguém comum, que sofre e tem problemas. O fã olha para cima, ele vê um super-humano, que pode passar por cima de tudo, e para quem tudo acaba bem no final. Eu mesmo enxergava tudo desta maneira. Tal como um filme, onde assistimos sempre a redenção do mocinho… pois é, mas acho que Andy não nasceu para fazer este papel.
De qualquer forma, havia esperança no seu futuro. Ele voltou a competir neste ano no World Tour, surfou super bem em Bells, parecia estar voltando à sua velha forma. Ganhou a etapa de Teahupoo, vencendo Kelly (de novo ele!), no seu caminho para o título. E muitos surfistas no tour estavam torcendo por sua volta aos bons tempos. Na final no Tahiti, CJ Hobgood, seu adversário naquele momento, lhe disse que queria muito vê-lo vencer e que muitos outros estavam torcendo por ele. Tudo parecia estar se encaminhando para um final feliz.


Porém, a vida não é um filme, nossos ídolos não tem superpoderes, eles também sofrem, eles também adoecem, eles também morrem… Andy Irons está morto.
A partir disso, ele mostrou que é frágil como cada um de nós, mas o que ele fez antes de se mostrar humano é algo que perdurará para sempre, influenciará gerações, criará lendas e fará nascer de sua história um Mito, que nunca morrerá.

Lucas De Nardi

Andy em Pipeline





O Dinar fugiu…

7 07 2010

Dinar, um amigo!

O Dinar é um amigo de longa data. Estudamos no mesmo colégio nem lembro desde que série. Ele não era meu colega, mas era aquele amigo de recreio, que conhecemos a partir de um outro amigo. Nossa principal afinidade era o amor pelo surf. Depois Dinar sumiu, trocou de colégio, repetiu um ano, mas voltou a aparecer, trazido por outro amigo, agora na adolescência. Dinar era um amigo daquela época em que passávamos os dias andando de skate pela cidade ou escutando música dentro de um quarto enquanto nossos pensamentos viajavam para longe. Os devaneios eram de todos os tipos, desde a ideia de um dos amigos de nossa turma ficar milionário e bancar viagens para os demais até a construção de um barco que serviria de moradia para todos, enquanto viajaríamos para todos os cantos do planeta, pegando altas ondas e curtindo a vida. Tudo sempre passava pelo ideal de morar na praia, surfar todos os dias, trabalhar pouco e tudo que está relacionado ao pensamento de alguém que vive sem ter muitas preocupações ou responsabilidades. Claro que este tempo passou, cada amigo foi para seu lado, viver um rotina distinta, às vezes em partes distintas do mundo. O Dinar também seguiu seu rumo.

Depois de alguns anos sem vê-lo, eu já tinha voltado a morar em Porto Alegre e trabalhava em minha escola. Certo dia ele apareceu e tornou-se nosso aluno. Era um aluno dedicado, freqüentador e muito querido por todos. Mais tarde resolvemos abrir um pequeno Bistrô e ele foi convidado para fazer parte da equipe de trabalho neste novo empreendimento. Aceitou imediatamente, sempre com o entusiasmo que lhe era característico. Trabalhou duro, aprendeu a cozinhar, apaixonou-se pela gastronomia. Anos depois, foi sondado por um investidor para tornar-se seu sócio em um restaurante. Teve ali a oportunidade que muitos sonham, mas poucos conseguem realizar. Era como um bilhete premiado, teria seu próprio restaurante, poderia criar um cardápio, conduzir, tal como um maestro, uma cozinha inteira. E assim foi… por algum tempo…

Na semana passada os sonhos de juventude o assaltaram com firmeza… O Dinar fugiu…
Era uma terça-feira, ele saiu de casa dizendo que passaria no banco e iria para o trabalho e não apareceu mais. Celular desligado, nenhum e-mail, todos os hospitais e delegacias contactados e nada. Mais tarde, no mesmo dia, uma notícia para abalar mais o estado das coisas, ao longo do dia foram feitos saques de sua conta. Saques consideráveis e sem sentido. Sequestro? Era o mais provável!

Foram dois dias de intensa preocupação e agonia. Afinal, imaginar que um amigo querido pode estar morto não é nada agradável. Aguardar por notícias enquanto as horas passam é uma espera longa, tempestuosa e sofrida. A cada instante se imagina um desfecho diferente, mas no fundo sempre há uma ponta de esperança, uma voz quase rouca que nos diz que tudo dará certo. Ao longo desta experiência concluí que quando alguém é seqüestrado, todos os seus familiares e amigos mais próximos também o são. Todos ficam inertes, incapacitados de fazerem algo além de esperar.

Porém, houveram acontecimentos positivos no meio de tudo isso. Na quarta-feira, amigos, colegas, instrutores e Mestres do Método DeRose realizaram uma corrente de mentalizações para que o Dinar aparecesse, para que estivesse bem. Foi bonito ver que em poucas horas pessoas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia foram avisadas e se engajaram de alguma forma para ajudar o amigo.

Na quinta-feira, pela manhã, foi confirmado o que alguns já suspeitavam, o Dinar estava bem, ele tinha desaparecido por vontade própria. Refugiou-se em alguma praia e apenas mandou avisar que queria ficar sozinho. As reações à esta notícia foram as mais diversas: alguns já sabiam, outros tinham intuído, mas a grande maioria ficou indignada com ele. “O Dinar viajou”, “eu vou dar umas porradas no Dinar quando ele voltar”, “que falta de consideração”, “o Dinar perdeu muitos amigos” foram algumas das sentenças que ouvi.

Logo me pus a pensar em como é estranho este nosso comportamento. Na minha visão, parece que precisamos de uma compensação pelos dias de sofrimento, pela energia despendida. Quer dizer, se ele tivesse sido seqüestrado e agora tivesse sido libertado, então tudo bem, todos estariam aliviados e felizes por terem feito sua parte. Mas será que somos capazes de passar por cima de nosso egoísmo e pensarmos que se alguém que conhecemos como uma pessoa normal faz algo irracional assim é porque esta pessoa não está bem. Ele não foi seqüestrado, não sofreu maus-tratos, ele está inteiro fisicamente, mas e seu estado emocional? O que terá sofrido sua mente até chegar à conclusão de que isso era o melhor a ser feito? E se ele tivesse avisado, “ó, estou saltando fora, vou abandonar a tudo e a todos para morar na praia”, teríamos a devida preocupação com sua saúde emocional ou mental?

Eu não posso julgar se o Dinar sofreu muita pressão, se deu um passo maior que as pernas quando decidiu abrir e gerenciar seu negócio ou se ele não foi capaz de assumir que a coisa estava indo de mal a pior e resolveu abandonar o barco. O fato é que ele tomou uma decisão que afetou sua vida pessoal e profissional. Certamente não foi uma decisão sábia, mas não é isso que está sendo julgado. É um quadro de difícil reversão, e são nestas horas da vida que os verdadeiros amigos devem se preocupar. Independentemente de uma noite mal dormida ou não. Portanto, Dinar, assim que quiser rever os amigos, estamos aí!

Lucas De Nardi





Whatever works!

12 05 2010

Resolvi escrever esse texto depois de ler o que a Naiana escreveu sobre o filme no seu blog. Apesar de termos gostos muito parecidos e amarmos o Woody Allen, tenho que discordar dela sobre esse filme, em particular.

Para mim, Woody Allen se mostra jovial e absolutamente contemporâneo ao nos contar essa divertida história. Sim, os personagens são clichês, durante o filme não há profundidade em nenhuma das vidas relatadas e suas histórias mudam radicalmente do dia para noite. Porém, o que esperar de uma história contada sobre os dias de hoje? Dilemas existenciais como em Interiores, de 1978? Ou histórias que se cruzam e se afastam, que são lindas e ordinárias ao mesmo tempo, como em Hannah e suas Irmãs, de 1986? Afinal, como se passam as vidas na atualidade? Existem personagens mais banais do que aqueles que fazem sucesso nas mídias de massa? Nossas conversas, por exemplo, serão realmente profundas? Elas por acaso nos levam além do lugar-comum?

Boris, no fim das contas, um cara otimista!

Hoje em dia parece aceitável buscar informações sobre a vida alheia. Pois até isso é questionado por Boris, o personagem principal, quando, logo no início do filme, ele se volta para a audiência e nos diz “Porque você quer ouvir minha história? Nós nos conhecemos?” Referir-se tão diretamente à geração Twitter, Facebook e Orkut, pareceu-me absolutamente genial, afinal, vivemos xeretando a vida de pessoas que nem nos interessam, olhando fotos que não admiramos, fazendo amigos que nem conhecemos. E o pior, nem nos questionamos mais sobre se isso nos importa ou não.

Mesmo dentro desse cenário desanimador, somos transportados para uma história alegre, contada de maneira leve e descomplicada. No entanto, ao longo do filme, vemos que para o diretor as coisas perderam o encanto. Parece que tudo foi descoberto, nada há de novo para se ver, tudo já foi revelado e vivemos superficialmente sobre todos os assuntos. Então, como contar uma história arrebatadora em um cenário assim? Para mim, Woody Allen conta uma história do nosso tempo… infelizmente ela é rasa e boba, mas  é salva pela forma como Boris resolve enfrentar a vida, buscando uma forma inteligente para se viver.

Ao final do filme, ele se volta mais uma vez para a plateia e nos diz: That’s why I can’t say enough times, whatever love you can get and give, whatever happiness you can filch or provide, every temporary measure of grace, whatever works.

Não importa muito onde sua história vai dar, nem o quão profunda será sua existência, importa apenas que você desfrute dela. Afinal, whatever works!

Lucas De Nardi





Mas afinal, os surfistas meditam?

29 03 2010

O tubo é um momento de concentração total.

Para responder a essa pergunta é necessário entender o que é a meditação e em qual momento o surfista poderia, surfando uma porção dinâmica do oceano, com cores, movimento e som ao seu redor, atingir tal objetivo.

A meditação ou dhyána, em sânscrito, é uma técnica do acervo do Yôga utilizada para designar tanto o exercício de meditação, quanto o estado de consciência obtido com essa ferramenta. O exercício em si é bastante simples: consiste em concentrar-se e não pensar em nada, não analisar o objeto da concentração, mas simplesmente pousar a mente nele até que ela se infiltre no objeto, conforme ensina o renomado escritor DeRose no livro Tratado de Yôga. Assim, estaríamos aptos a perceber a essência do objeto observado e, com o tempo de prática, a essência de nós mesmos, alcançando o autoconhecimento. Segundo os Shástras, escrituras antigas que expõem diversas técnicas e conceitos sobre o tema, quando o observador, o objeto observado e o ato da observação se fundem numa só coisa, isso é meditação. Outro fator importante, e que se torna um grande diferencial sobre este estado interno, é a noção do tempo quando estamos meditando. Por ser uma percepção emocional, a sensação do lapso temporal pode ser distorcida para mais ou para menos. Quem já não viu uma situação passar num piscar de olhos quando na verdade se passaram diversas horas? No caso do meditante, tem-se uma vivência tão profunda do presente que um mero segundo parece durar horas.

Mas afinal, como o surf, que é um esporte de constante movimento corporal, emocional e mental, pode nos levar a esse estado de aumento da consciência?

Bem, neste esporte existe uma manobra que é almejada por todos os praticantes dessa verdadeira arte de se colocar em pé sobre o oceano. Por não ser efetivamente uma manobra, mas um estado dentro da onda, o tubo se torna um momento indescritivelmente prazeroso. Ele acontece quando estamos envolvidos pela água e nos sentimos plenamente amalgamados com as forças da natureza.

Shaun Thompson, conhecido surfista sul-africano e campeão mundial de 1977, descreve maravilhosamente este momento especial: O tubo é a soma de forças complexas se relacionando. No tubo o surfista está equilibrado na beira da destruição em uma face convexa composta por milhares de toneladas de água, que se contorcem até a ondulação sucumbir para a hidrodinâmica, a força de gravidade e a mudança gradual no contorno da bancada. No tubo, a onda é lançada para frente, jogando sua crista até que o surfista fique completamente imerso numa cápsula de água, um lugar de isolamento e silêncio onde o tempo passa mais lentamente, gota por gota. Onde a sensação de velocidade é reduzida e a percepção torna-se mais aguçada.

Pois é justamente nesse instante tão especial que o surfista pode conquistar, ou se aproximar, do estado que os yôgins se esforçam tanto para atingir. Perceba que na descrição de Thompson ele menciona duas informações muito próximas do que a meditação produz: o instante passa mais lentamente e a percepção se torna mais aguçada.

Ora, será que podemos traçar um paralelo entre essas duas vivências que, teoricamente, nada possuem de similaridade, mas que, na prática, parecem produzir um estado interior muito parecido?

Numa entrevista concedida pelo surfista brasileiro Teco Padaratz, ele faz uma analogia muito interessante sobre o tubo e a passagem do tempo. Na descrição dele, enquanto se está dentro da onda, há uma demonstração perfeita de como o tempo passa por nós e de como devemos efetivamente viver o presente, sem distrações ou devaneios. Ele descreve a cena do surfista posicionado dentro daquela pequena capela de água como o momento do aqui e do agora. Tudo aquilo que foi vivenciado dentro do tubo explodiu, virou espuma branca, ficou para trás e é o seu passado. O futuro se encontra na luz que se enxerga ao final desse cilindro de água e representa o nosso objetivo, aquilo que almejamos. Porém, se ao longo do tubo a sua mente se deslocar para a fração de onda já surfada ou se projetar para o seu final e não vivenciar o caminho real que o levará até lá, é bem provável que a onda o derrube e o atire sobre a bancada sob a qual a onda quebra, o que não seria nada agradável. Tudo aquilo que foi vivido não construiu o futuro desejado, pois houve perda de foco, distração.

Essa forma, portanto, de enxergar o tubo e a atitude correta dentro dele nos ensina algo importantíssimo dentro do processo meditativo: concentração. A concentração é o estado que precede a conquista da meditação. Somente através do foco total de nossa mente sobre algo é que iremos conseguir fazê-la parar, numa vivência tão plena do aqui e agora que o tempo se dilata e não há mais pensamento, apenas intuição.

Para corroborar ainda mais com essa hipótese, vejamos o que Kelly Slater, o maior surfista de todos os tempos, disse ao descrever um tubo absolutamente incrível e quase impossível de ser surfado, no Tahiti: “Eu senti a onda e flui com ela. Eu não pensei, foi tudo instinto, sem questionamentos. Meu surf dentro do tubo é uma reação imediata aos elementos, sem pensar no que está realmente acontecendo.”

Quando nos sentamos para meditar, umas das coisas mais importantes a se fazer para que a mente pare é não questionarmos nem analisarmos o objeto ou o som no qual estamos nos concentrando, e é justamente o que Slater menciona ter feito. Ele não questiona, não analisa, não pensa, apenas deixa que a consciência assuma um estado de foco em que a situação toda flui, como se ele conhecesse a essência da onda, como se ele estivesse meditando sobre ela.

Obviamente nem todos os tubos nos levarão a um estado tão profundo de concentração e somente alguns surfistas conseguirão aproximar-se dessa expansão da consciência enquanto estão na onda, mas me parece bem claro que o feelling que eles sentem também é apreciado, e aprofundado, pelos yôgis.

Por fim, existe uma frase no universo do surf que nos diz: only a surfer knows the feeling. Mas, afinal, que feeling é esse? O que o surfista sente que só se conhece surfando? Será esse feeling a meditação? E como saber que se atingiu esse fim? Na verdade, se você não tem certeza, é sinal que não meditou. Porém, mesmo estando certo que o fenômeno ocorreu ele pode não ter acontecido. A referência mais objetiva é a forma como você percebe o tempo.

Fica então a dica: em qualquer atividade que exija concentração, se a percepção temporal for distorcida para mais, há uma grande chance de que você esteja próximo da meditação. E neste quesito, os surfistas, ao menos durante o tubo, parecem levar uma vantagem sobre os demais.

Lucas De Nardi





Entenda, antes de desfrutar.

8 12 2009

Nos dias de hoje, dizer que a prática do Yôga produz uma melhora na qualidade de vida é chover no molhado. O que pouca gente sabe é que o real objetivo desta filosofia indiana é outro, bem maior e mais nobre. Trata-se de um estado de megalucidez chamado samádhi.

Também torna-se importante esclarecer que esse sistema de desenvolvimento pessoal envolve mais do que simplesmente fazer algumas posições corporais e aprender a respirar. Sendo uma filosofia de vida, acaba por permear tudo aquilo que faremos antes e após as aulas.

O primeiro Mestre a definir Yôga foi Patáñjali, quando, em sua obra clássica, o Yôga Sútra, escreveu que Yôga é a supressão da instabilidade da consciência. Porém, o que afinal isso quer dizer? Em poucas palavras, significa que o objetivo do Yôga é tornar a consciência estável, focada, concentrada. Isso se aplica a todas as áreas onde a consciência possa existir: corpo físico, emocional, mental, etc.

Bem mais tarde, DeRose, um Mestre de Yôga nascido no Brasil, formulou uma definição mais clara e lógica que vem sendo utilizada por muitos instrutores e mestres de vários tipos de Yôga. Ele nos diz que Yôga é qualquer metodologia estritamente prática que conduza ao samádhi. Podemos compreender, a partir disso que o Yôga é muito mais amplo do que podemos imaginar, afinal trata-se de qualquer metodologia. Então, significa que o Yôga pode ser qualquer coisa? Não exatamente. Se formos mais adiante na definição, concluiremos que é necessário que esse método seja prático. Por esse motivo, o Yôga só acontece quando sentamos para praticar. Enquanto argumentamos, lemos ou assistimos algo relacionado à esta filosofia, não estamos vivenciando-a de fato. Porém, o grande diferencial do Yôga é que além de ser um método prático, ele forçosamente deve nos conduzir à um estado de autoconhecimento, chamado samádhi. Portanto, uma metodologia pratica não poderá ser classificada como Yôga se não ensinar técnicas de concentração e meditação, que precedem a aquisição do samádhi.

O que aconteceu com o Yôga, principalmente depois da descoberta dele pelo ocidente, foi uma troca de valores. Acabamos por confundir os meios pelos fins. Sua prática deve nos levar a um estado de autoconhecimento. No entanto atingir esse objetivo não é algo simples nem acontece com a velocidade que desejamos, visto que vivemos numa época onde nos acostumamos com resultados imediatos. Portanto, para conduzir o praticante à sua meta, a própria prática do Yôga proporciona uma série de efeitos, que nada mais são do que o alicerce para que haja um desenvolvimento pleno do potencial humano. São justamente esses efeitos que são confundidos com os fins por grande parte dos praticantes da atualidade.

Imagine a seguinte situação: você se propõe a aprender a andar de bicicleta. Conforme ensaia as primeiras pedaladas, ainda com as rodinhas auxiliares, começa a fazer um trabalho de desenvolvimento do que será necessário para quando você estiver andando de bicicleta. Você aprende a respirar corretamente para que não perca fôlego enquanto pedala, trabalha para ganhar força nos músculos que serão solicitados durante seus passeios, desenvolve sua concentração e senso de equilíbrio corporal, para não cair ao longo do trajeto. Durante toda essa preparação, mesmo que os efeitos de tudo o que está sendo feito possa e deva ser aplicado a outras áreas da sua vida, mesmo que eles lhe ajudem a viver com mais qualidade e consciência, você não perde o foco naquilo que realmente almeja, que é andar de bicicleta.

Então, quando num determinado momento da sua evolução você se sente apto à dar suas primeiras voltas sem as rodinhas auxiliares, a sua capacidade de sair andando e desfrutando disso será muito maior. Toda sua estrutura estará capacitada para cumprir esse objetivo. A partir daí, a evolução não tem limites.

Esta mesma situação acontece com a prática do Yôga. A chance de alguém simplesmente sentar e, realmente, atingir meditação e depois samádhi é quase nula. Então, os mestres da antiguidade criaram uma série de técnicas que atuam em todas as áreas do ser humano: física, emocional, mental e intuicional, para produzir uma base sólida para o autoconhecimento. Não é à toa que o termo Yôga significa união, integração, pois tem a proposta de desenvolver o praticante como um todo, não apenas em uma área isolada. Depois disso, quando você for praticar a meditação, conseguirá tirar as rodinhas auxiliares e sair pedalando em busca do samádhi com muito mais facilidade.

Tendo consciência de onde você quer chegar, não há mal algum em usufruir plenamente dos efeitos colaterais da prática do Yôga em outras áreas da sua vida. Afinal, como já foi dito, o Yôga é uma filosofia que está presente em tudo o que fazemos, até mesmo quando vamos tomar uma decisão importante, enfrentar uma avaliação ou simplesmente queremos estar com a cabeça limpa para aproveitarmos melhor a vida.

Lucas De nardi





Eu queria ser como o Zeca!

1 12 2009

Conheça o Zeca!

Eu queria ser como o Zeca, e logo lhe explicarei o por quê.
Não sei se há algo cientificamente comprovado para o fato que será relatado, mas isso tampouco importa: toda vez que entramos numa sala decorada por um vaso de flores de jasmim, rapidamente ele preenche nosso olfato e nossos olhos e todo o aposento é perfumado por uma fragrância que causa prazer e alegria. Porém, se por dois ou mais dias aquelas flores permanecem ali, e mesmo que seu perfume continue pairando no ar, nossa visão terá se acostumado com tão bela imagem e o olfato já terá assimilado o estimado bálsamo a ponto de não mais senti-lo como da primeira vez.
O hábito nos leva a desvalorizar as coisas ao nosso redor, ou pior, a torná-las comuns. Vejo muita gente por aí vivendo o dia-a-dia como se isto fosse algo comum. A vida é o que de mais raro temos e, o que é mais interessante ainda, está disponível o tempo todo. Mesmo assim, às vezes, corremos para o lado oposto, distraindo-nos com bobagens, acostumando-nos com o milagre de viver.
O Zeca? Não! Ele é um grande sábio, pois toda vez que sua dona sai de casa, por poucos minutos, alegra-se ao revê-la entrando pela porta, como se estivesse vendo-a pela primeira vez no dia. Ele nunca se cansa de estar feliz com o que valorizou um dia. O Zeca sempre pula e festeja demonstrando seu afeto, por menor que tenha sido o espaço de tempo, por maior que tenha sido a convivência. Ele não se acostuma, ele não torna a vida trivial.
Todos os dias o Zeca passeia pelos mesmos jardins e jamais o vi reclamando para mudar o caminho, por mais burro que isso possa parecer. Ele nunca deixa que seus passos sejam os mesmos, pois sempre se alegra ao ver aquela grama verdinha à sua frente. Talvez por saber que a paisagem nunca se repete, nem mesmo a de horas atrás, ele a valoriza como se fosse única (e realmente é).
O Zeca também não se conforma com o que acha absurdo. Conto-lhe o que se passa: algumas vezes, enquanto o pequeno cachorro alimenta-se, finjo que minha mão irá retirar um pouco de sua comida (e faço isso há uns 5 anos), mas toda vez que intento, ele rosna, vocifera, fica indignado e, se precisar, ataca-me. Ele reclama pelo que é seu, por mais insistente que eu seja. Ainda que eu nunca tenha retirado a comida dele nesse tempo todo, ele fará o que for necessário para que eu não me aproxime.
Assim deveríamos ser com o que é de nosso apreço, jamais acreditando ser comum que nos roubem. E até se houvesse somente ameaças, ainda assim deveríamos ser enérgicos ao mostrar nossas intenções. Nunca vi o Zeca esperando sua dona tomar alguma providência sobre o furto da sua comida: ele vai à luta, por menor que seja seu porte, por maior que seja o inimigo. Ele não mede esforços para proteger o que é seu.
Zeca tem muita personalidade no que faz. Esse cãozinho, após uma década de vida, ainda se diverte com seus grãos de ração e seus brinquedos. Desde seus primeiros meses de vida, aprendeu a se divertir dessa forma e nunca, enquanto cresceu, julgou ou envergonhou-se de manter em sua vida pequenos resquícios da infância. Diverte-se da mesma maneira há anos e, em nenhum momento, um julgamento externo ou olhar atravessado o intimidou a viver do jeito que escolheu.
Acredito que ter humildade ao ver como as coisas que nos cercam e, muitas vezes, julgamos inferiores, podem nos ensinar a viver melhor e aproveitar mais a magia que é abrir os olhos e vislumbrar o mundo que temos à nossa frente. Pois nada é mais valioso do que estar ciente de que vivemos e então aproveitar isso plenamente.
Afinal, qual a dificuldade em olhar todos os dias para a pessoa que você ama e amá-la? Por que nos acostumamos com a beleza que nos cerca a ponto de não mais percebê-la? Qual a vergonha que existe em lutar por aquilo que lhe é de direito? Ou por suas vontades mais intrínsecas? Não é natural que guardemos em nós resquícios imaculados da infância, sem julgamentos ou análises? E por que foram ceifados de nosso cotidiano?
Por todas essas coisas que ele me ensina e pelo seu olhar que fala mais que muita gente, eu queria ser como o Zeca.

Lucas De Nardi