Neste dia em que morri

24 09 2020

Neste dia
sem aviso ou premonição
numa rua qualquer
me vi morto.
Foi uma sensação estranha.

Lá estava meu corpo
carne imóvel
sob o asfalto quente.

O trânsito não parou
olhares curiosos
palavras sussurradas
um amigo por perto
desconsolado.
Chorava como criança.

Eu era aquilo que não perdera a vida.
Eu era a parte do morto que não morrera.
Eu era o que não tinha forma.
Eu era a parte que sobrara além da matéria.
Foi uma sensação estranha

Havia o corpo que esfriava.
Havia Eu do lado de fora.
Em mim, não havia tristeza
nem dor
nem lamentos de nenhuma espécie.

Havia uma Presença
A pura Consciência das coisas
A Percepção sem análises.
Dentro de mim eu não chorava.

Eu estava todo ali
não haviam distrações
não havia sequer pensamento
tudo era claro agora:
Tudo que não estava naquele momento
jamais existira.
Tudo que havia fora daquela percepção
jamais fora importante.
Tudo era apenas Agora.

Algo morreu
mas Eu estava ali.
Algo perdera a ação sobre o Mundo
mas Eu observava tudo.
Algo tornara-se matéria inerte
mas Eu era Vida, também imóvel.

A morte me visitara
mas não me atingira.
Por qualquer razão além da lógica
Eu ainda estava ali
no eterno Agora.

Lucas De Nardi