Neste dia
sem aviso ou premonição
numa rua qualquer
me vi morto.
Foi uma sensação estranha.
Lá estava meu corpo
carne imóvel
sob o asfalto quente.
O trânsito não parou
olhares curiosos
palavras sussurradas
um amigo por perto
desconsolado.
Chorava como criança.
Eu era aquilo que não perdera a vida.
Eu era a parte do morto que não morrera.
Eu era o que não tinha forma.
Eu era a parte que sobrara além da matéria.
Foi uma sensação estranha
Havia o corpo que esfriava.
Havia Eu do lado de fora.
Em mim, não havia tristeza
nem dor
nem lamentos de nenhuma espécie.
Havia uma Presença
A pura Consciência das coisas
A Percepção sem análises.
Dentro de mim eu não chorava.
Eu estava todo ali
não haviam distrações
não havia sequer pensamento
tudo era claro agora:
Tudo que não estava naquele momento
jamais existira.
Tudo que havia fora daquela percepção
jamais fora importante.
Tudo era apenas Agora.
Algo morreu
mas Eu estava ali.
Algo perdera a ação sobre o Mundo
mas Eu observava tudo.
Algo tornara-se matéria inerte
mas Eu era Vida, também imóvel.
A morte me visitara
mas não me atingira.
Por qualquer razão além da lógica
Eu ainda estava ali
no eterno Agora.
Lucas De Nardi