o trem fechou a porta. ela não olhou para trás. moveu-se dentro do vagão enquanto caminhei para a escadaria. antes de descer, arrisquei um último olhar. pude vê-la novamente. assim como o trem, ela se afastava. não olhou para fora. talvez procurasse qualquer coisa que não fossem meu olhos.
desci cabisbaixo. ela estava certa. assim que a porta se fechou e o vagão pôs-se em movimento, nossos mundos se desataram. quase como se jamais houvessem existido. ela estava certa. não havia nada que sustentasse o frágil nó que nos enlaçou por um breve momento.
houveram apenas aqueles dias que correram como rio. muitas conversas, muitos passos entre o frio da noite e a luminosidade carinhosa dos dias do inverno. as mãos procurando uma à outra. o sonho de um amor maior.
houveram noites de amor. o corpo pequeno de menina que se sobrepunha à minha pele antiga. fazendo-me desejar mais uma chance de juventude. houvera a perfeição do seu gemido e a profundidade de beijos que pareciam não querer se extinguir.
houveram manhãs que pareceram meses. quase acordados amávamo-nos até que o próximo sonho surgia. ali a distância entres os corpos quase não existia. era como se cobrir com o corpo de quem se ama. mesmo que seja um amor breve como um a partida de um trem, que desaparece ao entrar no próximo túnel.
agora minha companhia era o vazio de uma estação solitária. o silêncio soberano que amplos espaços podem ter.
caminhando para casa, via mais cores pois meus olhos tinham o filtro das coisas belas. ela partira, mas nem por isso se foi de mim.
ela estava certa em não olhar para trás. ela estava certa pela animação ao partir. entre nós não havia nada visível. entre nós não havia nada palpável. nada onde pudéssemos nos agarrar. nada que nos desse sustentação. ela estava certa em voltar para a vida que as pessoas vivem. longe da minha vida, que nem eu sei onde vai dar.
houvera o amor no espaço que agora o vazio ocupava. houvera um preenchimento que se desvaneceu. houveram palavras que agora voltavam ao silêncio. e houveram momentos que agora são para sempre lembranças.
Amoroso