Rag’s é uma onda longa que quebra sob uma bancada irregular e rasa. Ela carrega consigo um volume grande de água enquanto se desloca pelo reef. Além disso, o formato se modifica rapidamente com a maré, criando uma onda cheia de nuances que desafia a habilidade de leitura de quem a surfa.
A sequência de fotos mostra a linha de tubo mais difícil que surfei enquanto estive em Mentawai.
Lembro que dropei, escolhi a linha para a primeira sessão de tubo e enquanto estava navegando por dentro dele percebi que lá na frente, onde eu tinha imaginado ser a última parte do lip, havia uma nova sessão se formando e que a onda continuaria rodando.
Então, decidi fazer um highline, ou seja subir o quanto me era possível na face da onda mas sem deixar que a curva dela me engolisse, colocando-me no ponto onde teria velocidade e espaço para a sessão que estava por vir.
É possível ver isso nas fotos quando a onda lança um bafo no ponto em que aparentemente estava saindo do barrel.
No entanto, quando pude ver o que a onda estava fazendo na segunda sessão, notei que estava bem atrasado. O próximo pedaço do lip iria cair muito à minha frente. Além disso parecia-me que ele tinha um volume de água maior.
Quando se está vindo muito deep no tubo, a espuma formada pelo impacto do lip ao bater na àgua se projeta contra o surfista. É um tipo de foamball que não surge por baixo da prancha, mas se move na direção contrária ao surfista. Isso reduz enormemente as chances de se completar a onda.
Uma forma de lidar com isso é contornar a espuma que se move em sua direção. Ou seja, era necessário outro highline, mas agora com menos espaço. Pois conforme a onda se movia sobre a bancada, a água despejada pelo lip ia preenchendo o espaço dentro do tubo.
E foi justamente isso que fiz naquele momento. De fato, não tinha muita chance de completar a onda, já havia passado por aquela situação algumas vezes e em poucas obtive sucesso. No entanto, eu já estava lá, né!? Porque não tentar!?
Sou apaixonado por ondas tubulares, mas amo mais ainda completar um tubo. E talvez tenha sido essa gana que me ajudou.
Quando o lip encostou na água, fez exatamente o que eu imaginava. Naqueles milésimos de segundo, vi o lip movendo-se contra mim. Então, projetei o peso do meu corpo contra a parede da onda e usei a força do braço direito para direcionar a prancha para cima.
Em meio àquela turbulência me coloquei num lugar onde recebi o impacto do foamball por debaixo da prancha, ao invés de isso acontecer pela frente. Nas fotos, esse momento não pode ser visto, mas pode-se perceber na saída do tubo que a prancha está flutuando sobre a bola de espuma.
As coisas se movem muito rápido nestas situações, mas mesmo assim pude perceber que na saída do tubo estava o Léo Neves. Ele estava nadando verdadeiramente na zona de impacto e registrou essa onda que até hoje está vivida em minha memória. Obrigado, brother!
Existem duas coisas que considero essenciais para qualquer surfistas que queira surfar tubos, e nenhuma delas fala sobre sua habilidade sob a prancha. São qualidades anteriores à técnica.
A primeira delas é a atitude. Ela é imprescindível para se remar numa onda que você considera intimidadora. Na minha opinião, isso surge do foco no presente. Ou seja, é preciso desprender-se dos pensamentos que surgem sobre o que poderá acontecer no desenrolar da onda e focar toda atenção na ação necessária para aquele único momento.
Ao invés de permitir que a mente crie um cenário desfavorável que hipoteticamente aconterá mais adiante, o surfista fixa-se na realidade do agora.
Muitas vezes o drop, que ele escolhe ou não fazer, é a parte mais fácil do processo, mas por lançar a percepção para o futuro, ele priva a si mesmo de tentar lidar com algo que talvez ocorra. E aqui é importamte levar à sério o “talvez” porque a construção mental não é a realidade daquele momento.
Em outras palavras, a falta de habilidade para o drop na onda não é que o impede de pegar o tubo da vida, mas a incapacidade permanecer naquilo que deve ser feito no agora.
A outra habilidade é a capacidade de acreditar até o final. Enquanto há chances, deve-se seguir firme em direção à saída do tubo. Apesar de simples, isso faz uma enorme diferença. Não apenas no surf, mas também na vida.
Para mim, surfar ondas que desafiadoras é um exercício de meditação e uma metáfora de como vivemo. A meditação é um jogo contínuo com a mente, onde deve se buscar incansavelmente trazê-la para o agora. Enquanto o yogi tenta manter sua mente sobre um único objeto, o surfista permanece dentro de si, atento aos seus sentidos, ao movimento do mar e a tudo que lhe cerca naquele momento.
Na vida, é preciso tentar até o final, até que o tubo se feche. Mas não com uma teimosia burra, mas com um ímpeto valente de seguir no caminho escolhido até que as chances se esgotem.
Surf e Yoga se complementam dentro de mim como se fossem diferentes momentos para se praticar a mesma coisa!
Seja valente! Isso vai lhe ajudar a dropar ondas que você nem imaginava ser capaz. Ao fazê-lo, acredite em si! É a melhor forma para lidar com muito foamball que quer lhe derrubar ao longo da vida.
Lucas De Nardi