O longo trajeto de poucos segundos

8 04 2021

Rag’s é uma onda longa que quebra sob uma bancada irregular e rasa. Ela carrega consigo um volume grande de água enquanto se desloca pelo reef. Além disso, o formato se modifica rapidamente com a maré, criando uma onda cheia de nuances que desafia a habilidade de leitura de quem a surfa.

A sequência de fotos mostra a linha de tubo mais difícil que surfei enquanto estive em Mentawai. 

Lembro que dropei, escolhi a linha para a primeira sessão de tubo e enquanto estava navegando por dentro dele percebi que lá na frente, onde eu tinha imaginado ser a última parte do lip, havia uma nova sessão se formando e que a onda continuaria rodando.

Então, decidi fazer um highline, ou seja subir o quanto me era possível na face da onda mas sem deixar que a curva dela me engolisse, colocando-me no ponto onde teria velocidade e espaço para a sessão que estava por vir. 

É possível ver isso nas fotos quando a onda lança um bafo no ponto em que aparentemente estava saindo do barrel.

No entanto, quando pude ver o que a onda estava fazendo na segunda sessão, notei que estava bem atrasado. O próximo pedaço do lip iria cair muito à minha frente. Além disso parecia-me que ele tinha um volume de água maior.

Quando se está vindo muito deep no tubo, a espuma formada pelo impacto do lip ao bater na àgua se projeta contra o surfista. É um tipo de foamball que não surge por baixo da prancha, mas se move na direção contrária ao surfista. Isso reduz enormemente as chances de se completar a onda.

Uma forma de lidar com isso é contornar a espuma que se move em sua direção. Ou seja, era necessário outro highline, mas agora com menos espaço. Pois conforme a onda se movia sobre a bancada, a água despejada pelo lip ia preenchendo o espaço dentro do tubo. 

E foi justamente isso que fiz naquele momento. De fato, não tinha muita chance de completar a onda, já havia passado por aquela situação algumas vezes e em poucas obtive sucesso. No entanto, eu já estava lá, né!? Porque não tentar!?

Sou apaixonado por ondas tubulares, mas amo mais ainda completar um tubo. E talvez tenha sido essa gana que me ajudou.

Quando o lip encostou na água, fez exatamente o que eu imaginava. Naqueles milésimos de segundo, vi o lip movendo-se contra mim. Então, projetei o peso do meu corpo contra a parede da onda e usei a força do braço direito para direcionar a prancha para cima. 

Em meio àquela turbulência me coloquei num lugar onde recebi o impacto do foamball por debaixo da prancha, ao invés de isso acontecer pela frente. Nas fotos, esse momento não pode ser visto, mas pode-se perceber na saída do tubo que a prancha está flutuando sobre a bola de espuma. 

As coisas se movem muito rápido nestas situações, mas mesmo assim pude perceber que na saída do tubo estava o Léo Neves. Ele estava nadando verdadeiramente na zona de impacto e registrou essa onda que até hoje está vivida em minha memória. Obrigado, brother!

Existem duas coisas que considero essenciais para qualquer surfistas que queira surfar tubos, e nenhuma delas fala sobre sua habilidade sob a prancha. São qualidades anteriores à técnica. 

A primeira delas é a atitude. Ela é imprescindível para se remar numa onda que você considera intimidadora. Na minha opinião, isso surge do foco no presente. Ou seja, é preciso desprender-se dos pensamentos que surgem sobre o que poderá acontecer no desenrolar da onda e focar toda atenção na ação necessária para aquele único momento. 

Ao invés de permitir que a mente crie um cenário desfavorável que hipoteticamente aconterá mais adiante, o surfista fixa-se na realidade do agora. 

Muitas vezes o drop, que ele escolhe ou não fazer, é a parte mais fácil do processo, mas por lançar a percepção para o futuro, ele priva a si mesmo de tentar lidar com algo que talvez ocorra. E aqui é importamte levar à sério o “talvez” porque a construção mental não é a realidade daquele momento.

Em outras palavras, a falta de habilidade para o drop na onda não é que o impede de pegar o tubo da vida, mas a incapacidade permanecer naquilo que deve ser feito no agora. 

A outra habilidade é a capacidade de acreditar até o final. Enquanto há chances, deve-se seguir firme em direção à saída do tubo. Apesar de simples, isso faz uma enorme diferença. Não apenas no surf, mas também na vida.

Para mim, surfar ondas que desafiadoras é um exercício de meditação e uma metáfora de como vivemo. A meditação é um jogo contínuo com a mente, onde deve se buscar incansavelmente trazê-la para o agora. Enquanto o yogi tenta manter sua mente sobre um único objeto, o surfista permanece dentro de si, atento aos seus sentidos, ao movimento do mar e a tudo que lhe cerca naquele momento.

Na vida, é preciso tentar até o final, até que o tubo se feche. Mas não com uma teimosia burra, mas com um ímpeto valente de seguir no caminho escolhido até que as chances se esgotem. 

Surf e Yoga se complementam dentro de mim como se fossem diferentes momentos para se praticar a mesma coisa!

Seja valente! Isso vai lhe ajudar a dropar ondas que você nem imaginava ser capaz. Ao fazê-lo, acredite em si! É a melhor forma para lidar com muito foamball que quer lhe derrubar ao longo da vida.

Lucas De Nardi





Lições de uma tarde no jardim

6 04 2021

Pise na grama com os pés despidos de qualquer receio.

Olhe profundamente para o verde da mata
e jamais encontrará o mesmo tom duas vezes.

Ouça o diálogos dos pássaros
suas palavram também voam
mas nunca pousam em ouvidos ocupados

Aprecie o sol enfraquecendo as cores do mundo
enquanto mergulha para além dos olhos.

Aprenda a estar sozinho
sem nem mesmo pensamentos por perto.

No escuro
deite-se no chão fresco da noite.

Não tenha medo
não há resfriado que vença
o poder de um céu estrelado.

Lucas De Nardi





Riqueza

25 03 2021

Riqueza.
Almoçar
com a Mãe
à mesa.





Acordar do dia

17 02 2021

Prestes a tocar as coisas do mundo
o Sol abria os olhos
em feixes esparsos acima do horizonte.

A cor do dia nascia lentamente.
Grilos quebravam o silêncio sem atrapalhá-lo.

Ela estava sentada ao meu lado.
Seus cabelos moviam-se delicadamente
acariciados pela brisa da manhã.

Os raios agora tocavam sua pele.
Havia eletricidade em seu corpo
uma energia indefinida e inquieta.

Carregava em si uma beleza crua.
Sua voz era quase rouca
seus olhos jamais paravam de sonhar.

Agora já era dia.
Pus-me a contemplá-la silenciosamente.
Admirei-a por trás de qualquer julgamento.

A tenra idade chocava-se contra minha pele curtida.
Sua agitação encontrava meu aquietamento
pois nada que eu pudesse falar atrairia sua juventude.

Enquanto o astro rei era todo luz
meu coração também tentava fazer-se dia.

Lucas De Nardi





Anotação de 10 de novembro

30 11 2020

Pela primeira vez
desde há muito tempo
hoje me senti só.

Não estava solitário.
Senti-me só.

A solidão é amiga.
Seu silêncio me faz companhia.
Estar só é esvaziar-se de laços.

Andar solitário é desprender-se do que é sólido.
É desamarrar os nós mais pesados.
Criar teias, frágeis sustentações.
Atirar-se em espaços sem luz.
Trazer luminosidade à percepção.
Criar caminho caminhando.
Ser pioneiro da história que ninguém ouviu.

Hoje, no entanto, me senti só.
Havia silêncio na casa.
Amigos apenas na distância.
Nenhuma braço me segurava.
Nenhuma abraço me confortou.

Eu tinha a mim mesmo
mas estava vazio.
Me senti pequeno.
Desconstruído.
Peça caída
sob o tabuleiro.

Só.

Sem luz
sem laços
sem espaço conhecido
sem paisagens nos olhos.

Segui em frente.
A realidade
é o que percebo no agora
e não os pensamentos que me habitam.

O amanhã é incerto
como tudo fora deste momento
como todas as promessas já feitas
pelo menos agora
o só é presença.

Lucas De Nardi





Ser Noite Escura

11 10 2020

O céu era muito grande para que eu pudesse abraçá-lo.
As estrelas caídas sorriam pra mim.
Fora isso, só escuridão.
Nenhum sopro de vento.
Apenas a fala do mar embalava meus olhos.
Então, senti a noite me abraçar.
Como cobertor em noite de frio.
O tecido negro agora vestia meu corpo.
Agora, eu era tudo.
Agora, eu não tinha forma.
Nem mesmo cor.
Ou brilho.
Ou qualquer coisa limitada.

Era apenas o espaço que paira sobre todas as coisas.

Lucas De Nardi





Neste dia em que morri

24 09 2020

Neste dia
sem aviso ou premonição
numa rua qualquer
me vi morto.
Foi uma sensação estranha.

Lá estava meu corpo
carne imóvel
sob o asfalto quente.

O trânsito não parou
olhares curiosos
palavras sussurradas
um amigo por perto
desconsolado.
Chorava como criança.

Eu era aquilo que não perdera a vida.
Eu era a parte do morto que não morrera.
Eu era o que não tinha forma.
Eu era a parte que sobrara além da matéria.
Foi uma sensação estranha

Havia o corpo que esfriava.
Havia Eu do lado de fora.
Em mim, não havia tristeza
nem dor
nem lamentos de nenhuma espécie.

Havia uma Presença
A pura Consciência das coisas
A Percepção sem análises.
Dentro de mim eu não chorava.

Eu estava todo ali
não haviam distrações
não havia sequer pensamento
tudo era claro agora:
Tudo que não estava naquele momento
jamais existira.
Tudo que havia fora daquela percepção
jamais fora importante.
Tudo era apenas Agora.

Algo morreu
mas Eu estava ali.
Algo perdera a ação sobre o Mundo
mas Eu observava tudo.
Algo tornara-se matéria inerte
mas Eu era Vida, também imóvel.

A morte me visitara
mas não me atingira.
Por qualquer razão além da lógica
Eu ainda estava ali
no eterno Agora.

Lucas De Nardi





Rascunhos do passado #4

7 07 2020

Por dias estive dentro de mim
puxando a linha do tempo
que costurou o tecido no qual me sento
enquanto enxergo meu passado.

Havia muito a dizer aos que passaram.
E mesmo que ninguém hoje é o que foi um dia
dentro de mim conversava com eles.

Expliquei motivos
Pedi desculpas
Esclareci erros
Tentei amenizar estragos.

Dialogava comigo numa sala vazia
com as janelas abertas.
Não havia resposta
sequer um eco.

Por mais que eu falasse
era eu mesmo que escutava.
Lenta e profundamente
fui conhecendo quem era.

Não me reconhecia
mas compreendi na prática
que aquele de antes
moldou este de agora.

Então, com o passar das horas
fiz as pazes com o passado.

Sai de casa, fechei a porta
vim viver o mundo do lado de fora.

Lucas De Nardi





21.5.20

4 07 2020

Ouça!
É o silêncio.
Ele não diz nada
Ele não está em lugar algum.
E mesmo assim
Preenche todo espaço
O tempo todo.

Lucas De Nardi





Apaixonado

27 06 2020

De novo
havia me apaixonado
por ser palavras
por pousar ideias no papel
desenhar letras vagarosamente.

Novamente
nascia a esperança
de dizer algo válido
de ser útil
ou prático.

Ainda que nada saia certo nestes escritos
Mesmo que só eu leia meus devaneios
é o ato em si que me basta.

Porque  são nestes momentos
que o presente me abraça.
Como estar em meditação.
Quando apenas ser já basta.

Lucas De Nardi