– Você errou comigo! Demorou demais e seguia sussurrando que era tudo normal, que o ritmo estava certo. Porém, quando eu estava pronto já era tarde. Tudo o que eu tinha era passado, e você bem sabe que do passado não se vive, se tira lições.
Ele disse gesticulando furiosamente quando ouviu uma voz grave como o ruído continuo e uniforme de um trovão onipresente.
– Não pense que podes me julgar. Não errei contigo. Jamais errei em minha longinqua existência. Não erro porque apenas passo. Não há forma ou interpretação que possa recair sobre mim porque eu apenas existo, sem intenção ou ensinamento algum. Sou como uma onda invisível e silenciosa que jamais encontrará a costa, mas que carrega tudo em suas águas. Passo como se não houvesse movimento, mas, ao mesmo tempo, percebe-se em mim que nada é estático.
Essas ideias e aprendizados não sou eu quem trago, afinal. Isso é você, Homem, que me atribui. Que interpreta os fenômenos e efeitos que causam minha existência imemorial.
Aliás, é só você que tenta, com a lógica e os números, dar rótulos ao meu andar. Segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios… Isso só existe para o humano, que inutilmente tenta me enlatar em relógios e calendários.
Veja e aprenda com os demais seres vivos, eles não me qualificam, eles me sentem e se comportam baseados nestas coisas mais palpáveis e vivas… percepções que o ritmo natural das coisas nos traz… e quando eles sentem fome, comem. Quando o dia cai, se recolhem. Se sentem desejo, transam e, ao final de seu dia, cansados, dormem… mas nada tem um momento exato para acontecer, os desejos e necessidades nascem e o instinto os segue. Perceba que tudo isso surge pelo mergulho na Vida e não do controle dela. Tudo vem pela sensorialidade do que temos à nossa disposição e não pela busca incessante da racionalização de tudo que existe.
Portanto, criatura, viva e deixe-se viver! E sinta a vida pulsar neste ritmo extraordinário… as coisas, naturalmente, se ajustam… porque sempre foi assim. Acredite em mim, já estou aqui há bastante Tempo.
O homem, então, aquiesceu abaixando a cabeça. Depois seu rosto serenou, e havia uma nesga de felicidade dentro de si, mesmo que a fisionomia não a revelasse. Ele caminhou de volta para casa sem nenhuma pressa.
Lucas De Nardi