31 03 2011

A esperança é a última que morre… mas também morre…

Lucas De Nardi





…em movimento

29 03 2011

Ele entrou no táxi sem muito animo. Parecia que a porta era mais pesada do que as forças que seus braços podiam produzir.
– Vamos para onde, patrão? – foi como se a voz do taxista houvesse despertado o passageiro.
Ele levantou a cabeça sobressaltado. Enxergou o motorista pelo retrovisor com um olhar sonâmbulo, a boca abriu-se, mas alguns segundos se passaram antes que algum som fosse emitido.
– Eu não sei… não há mais para onde se ir…
– Como assim, patrão? Então o senhor entrou no táxi porque?
– Não sei, não há mais nada…
O motorista mostrou-se desconfiado, mas ao mesmo tempo curioso com o que poderia estar se passando na vida daquele homem bem vestido.
– Mas, senhor, vamos pensar bem. O senhor chamou meu táxi enquanto eu passava, portanto deve estar querendo ir à algum lugar, não é!?
– Pois é, queria… mas ela não está lá…
– Ela quem, senhor? Lá onde? E quem disse que ela não está?
– Eu mesmo vi, foi hoje. Antes de o dia amanhecer… eu estava na sala… ela me deixou, amigo.
– Mas deve ter pensando melhor e já está de volta. Diga-me onde é que levo o senhor para conferir isso. – o motorista teve que colocar o carro em movimento porque o transito naquela avenida não permitia nenhum carro parado em fila dupla.
– Não, ela carregava suas malas. Ela não olhou para trás, nem atendeu minhas ligações ao longo do dia… ela se foi, você precisa entender… e eu também. Mas agora, não há mais para onde ir… não há mais nada…
– E onde o senhor mora?
– Eu morava, amigo… morava… Agora já não moro mais. Morava com ela, entende?! A moradia era habitada porque ela a habitava.
– Sim, mas e agora?
– Agora ela se foi, você percebe? Acabou tudo.
– Entendo, mas o apartamento ainda existe, você deve ter a chave, pode ir para lá. – ele dava voltas pelo bairro sem se afastar muito do ponto de origem, pois achava que o distinto homem morava pela redondeza.
– Sim, o apartamento está lá, mas ele já não existe… ele se foi quando aquela mulher fechou a porta. Tudo ali existia para ela… inclusive eu…
– Poxa, amigo, não fale assim. Você é um homem trabalhador, deve ter muitas outras coisas na vida. O que você faz? – tentou animá-lo.
– Eu passei os últimos 20 anos de minha vida amando uma mulher… eu me dediquei a isso… eu não fui outra pessoa senão o amante dela. Mesmo na sua ausência, mesmo quando um dos dois viajava, sempre mantive ela dentro de mim. Como uma construção cujo resultado final o arquiteto não vê diariamente, mas sabe existir. E isso é o suficiente para que ela permaneça presente em sua vida. Este era eu… hoje, não sei mais…
Um silêncio se fez naquele pequeno espaço da parte de dentro do carro. As janelas estavam fechadas e o ruído da cidade, abafado, parecia uma trilha sonora tosca e mal executada em um filme em preto e branco.
– Eu quero apenas que você dirija, amigo. Vou lhe pagar o quanto for preciso, mas gostaria que você apenas dirigisse pela cidade. Não há destino certo porque eu mesmo não sei pra onde vou… Mantenha-me em movimento, é tudo que lhe peço. A inércia seria a morte para mim agora.
– Ok, doutor. Pode deixar que lhe mostrarei os pontos mais bonitos da cidade. E os mais imundos também, se quiser.
– Faça como lhe parecer melhor.

T. Conthey





Se…

24 03 2011

O se não existe
A única realidade é o agora
Aceitei-a ou deixe-me…

Lucas De Nardi





Qual cidade?

24 03 2011

Qual é a verdadeira cidade?
Aquela que conheço
ou a que realmente existe?
Sou cidadão do que se passa lá do outro lado
enquanto passo por esta rua limpa?
E sou eu também o rio podre e as favelas?
Deveria também sentir fome e desprezo
por também habitar estas avenidas?
A realidade é o todo
ou o quanto posso ver?

Lucas De Nardi

Foto: Rafaela Camerini





…ser manhã

24 03 2011

Foto: Rochelle Costi

Amanhece…
Vejo o dia ganhar cor
nas grande projeções das sombras.
Ouço os pássaros ganharem voz,
sinto o canto tornar-se música.
E despertar o mais profundo sonho.

Também quero ser manhã.
Causar tonalidades novas
nas cores já existentes
daqueles que me cercam.

Quero iluminar sorrisos,
muitas vezes esquecidos
no próprio rosto.

Farei ninho nos corações amigos.
Forrarei-os de sonhos e horizontes.
Para lá caminharão aquecidos pelo dia,
viajarão sem ter os pés no chão.
Pois leve e brilhante
é o que carrega no céu anil do coração
os que passaram por ti,
os que nunca o deixarão.

1Menino.Só





24 03 2011

Trago na boca o teu beijo,
acompanha minha semana.
É a semente do desejo,
que cresce entre os lençóis da cama.

Amoroso





Quando morre um amor

16 03 2011

Quando morre um amor,
disse-me um desses pássaro azuis,
apaga-se um pouco da Lua
que cada amante trás
no céu de sua memória.

Cada brilho que o véu da razão cobre,
quando um amor morre,
nubla mais um pouco
o minguar constante
do que, aos poucos, se descolore.

Então, a noite cresce escura,
engolindo frestas e esperanças,
tornando a lua uma tímida estrela
apenas para que se recorde
do que foi o amor, depois que morre.

Amoroso





Da série Poemas antigos, quase esquecidos

15 03 2011

Do tempo em que 1Menino.Só amou:

Te visto com a fantasia de meu Mundo
vermelha, princesa, sedenta de prazer.
Minha mão desenha teu tecido
Em tua pele, um gemido.

As alas se abrem
A Noite nos invade,
enquanto preenchemos o universo.

Vejo todos os versos de tuas mil formas.
Perco-me em cada orla de teu corpo nu
vadio menino por este imenso azul.

Entrego desejos e palavras
Construo minha casa em teus lábios
Encontro minha morada ao teu lado
Faço do teu corpo meu espaço.

Sou pele, olhos e boca
Não há troca, mas entrega.

Me pega, sabendo que sou teu
Me leva… o voo também é meu.

1Menino.Só

Foto: Rochelle Costi

 





O Poeta e a Lua, Vinícius de Moraes

14 03 2011

Foto: Simone Costi

Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esfera nitentes
Tremeluzem pelos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de luxúria.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perpassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
Ante a beleza da lua.
Depois a lua adormece
E míngua e se apazigua…
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.





Você tem de cuidar de si mesmo

12 03 2011

Você tem de cuidar de si mesmo. Se alguma coisa se partiu dentro de você, tem que colar as partes com as próprias mãos.

Paul Auster, em Invisível